segunda-feira, 5 de maio de 2014

Vou me embriagar de você


        Mathieu vive o cotidiano como se os dias fossem, invariavelmente, uma espécie de segunda-feira. Arrasta-se de forma trabalhosa entre os minutos, resguardados pela cafeína e por seus medos, anseios que se parecem uma adolescência infinita. Confessa-os corriqueiramente, como um criminoso arrependido.
        O rapaz coleciona amores frustrados, despedidas arrebatadoras, encontros raros e desconexos, coração cicatrizado.
        No apartamento ao lado, Joana desperta tradicionalmente como se estivesse nascendo naquele dia, acha irônica sua feição pela manha, diverte-se com seus olhos inchados, os fios capilares ainda atrapalhados. Ela se olha no espelho com sentimentos que denotam uma alegria tranquila, transpira confiança, menina-mulher que atrai por magnetismo os olhares dos menos atentos.
        Os encontros nos corredores e elevadores são raros e Mathieu confiante da sua desconfiança cumprimenta a moça como quem dá o último gole de cerveja no fim de um feriado cheio: com entusiasmo, mas pouca pretensão.
        A menina tem o coração ainda mais brilhante que seus olhos e cabelos, entende que pode ser divertido aquele jeito e camisa desajustados que Mathieu possui. Ela consegue observar, com maestria, aquelas cicatrizes da costura cardíaca que o rapaz possui e as enxerga como sendo rugas da velhice, as quais denotam muita vivência e nenhuma feiura.
        O destino, com sua envolvente capacidade de unir, se encarregou de juntar dois mundos que antes pareciam diferentes. O primeiro beijo foi arrepiante. Mathieu comemorava internamente, encabulado. Joana fingia que não percebia, mas ria, gostava. Mathieu soube se encaixar naquela situação que se tornara irresistível.
        O jovem rapaz ganhou estima, a moça colecionou carinhos e rosas. Ambos se lambuzaram de sonhos, compartilharam palavras, trocaram versos. Química, física e biologia se comprovaram, os opostos se atraíram. A energia e intensidade dos dois se multiplicavam ao patamar do infinito.

        Uma placa em nome da sintonia que ali havia foi cuidadosamente posicionada acima da cabeça do casal, como se o céu concordasse com aquilo. Naquele momento, Mathieu resolveu acreditar novamente na vida, Joana concordou prontamente com sua crença. 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O impossível é o sobrenome do medo

"Perdemos mais tempo arrumando desculpas do que vivendo.

Perdemos mais tempo adiando do que aceitando a dificuldade.

Perdemos mais tempo explicando a desistência do que enfrentando o sim.

Eu garanto que a fuga dá mais trabalho do que se encontrar. Porque estaremos longe, mas com saudade. Porque estaremos protegidos, mas vazios. Porque estaremos aliviados, mas entediados.

A vida é simples, milagrosamente simples.

A esperança é firmeza. Consiste em seguir adiante mesmo com pânico, mesmo com receio.

Não há como acalmar o coração senão vivendo.

Parece que nunca conseguiremos fazer, mas vamos fazer, acredite, toda a vida foi feita de sustos bons.

Somente tememos o que é importante. Somente temos dúvidas do que é essencial. Somente entramos em crise por enxergar com clareza a dimensão de nossa escolha.

Os riscos valorizam a recompensa.

Viver não é para solitários. Sempre tem alguém nos chamando para nos acompanhar no perigo.

Eu pensei que nunca percorreria o corredor de minha infância caminhando, mas o vô me esperava do outro lado. Eu caí e ele me levantou com suas mãos de regente.

Eu pensei que nunca me manteria equilibrado numa bicicleta, mas meu pai fingiu que segurava a minha garupa e pedalei de olhos fechados com o vento me guiando.

Eu pensei que nunca aprenderia a ler e a escrever, mas a letra da minha mãe foi a escada para as histórias.

Eu pensei que nunca teria uma namorada, mas o beijo veio distraído no recreio da segunda série.

Eu pensei que nunca conseguiria nadar, mas os braços foram se revezando até atravessar a piscina.

Eu pensei que nunca passaria no vestibular, mas sacrifiquei noites e pesadelos para um lugar na faculdade.

Eu pensei que nunca teria filhos, eu pensei que nunca dividiria a casa com alguém, eu pensei que nunca seria dependente do olhar de uma mulher, eu pensei que nunca teria dinheiro, eu pensei que nunca seria feliz.

Eu pensei, mas fui fazendo. Fazendo. Fazendo.

O impossível é apenas o sobrenome do medo.

Você acha que somos impossíveis, mas é do impossível que o amor gosta.

O impossível é inesquecível.

O impossível é o possível repartido. O impossível é o possível a dois." - Do mestre, Fabrício Carpinejar. 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Mathieu e Mônica

Mathieu e Monica

Teresópolis não via um único sinal de raio solar havia cerca de uma, duas semanas. Para Mathieu parecia que já se fazia meses ou anos. O jovem passava os dias enclausurado em seu apartamento de um quarto com rigorosos quarenta metros quadrados. Ouvia músicas na maior parte do tempo e fumava cigarros na outra parte. Era exigente nesse aspecto. As bandas podiam ter no máximo dois integrantes, os cigarros podiam ser fumados o número de quarenta, também no máximo.
Mathieu trabalhava com barbas que dariam inveja em qualquer integrante do Los Hermanos. Sua ortografia, gramaticidade e inteligibilidade, porém, não eram dignos de um indivíduo formado há três anos e cinco meses. Talvez por esse motivo suas crônicas não fossem aceitas por ninguém, muito menos por ele.  O ar ainda que carbonizado e o dinheiro apenas na forma circular faltavam. 
Num desses raros momentos de extravasamento, entre vozes altas e espaços apertados o rapaz não pode deixar de reparar que havia uma menina com ar de sobriedade e espírito maduro. A conversa não foi difícil. Monica realmente era exuberante, daquelas que conseguem elevar a um patamar superior uma simples conversa sobre o clássico futebolístico do domingo anterior. 
Foram quarenta minutos de risadas de canto de boca e muitas interiores até que uma amiga da moça, com ar etílico e espírito literalmente desequilibrado impôs um fim ao encontro. Telefones e olhares foram obviamente trocados.
Depois de exatas duas semanas, doze horas e vinte e cinco minutos devidamente cronometrados pela aflição de Mathieu eles finalmente se encontraram de novo. O ambiente era menos, muito menos hostil do que o do último encontro. Era impossível não reparar nas arvores que circundavam todo o ambiente e nas famílias com suas crianças passeando alegremente. O ar estranhamente puro, a falta do cigarro, a felicidade de todos ao redor causavam no rapaz uma sensação parecida com a de uma flecha atingindo simultaneamente as doze vertebras torácicas. 
Talvez exatamente por isso Mathieu vez pouco mais do que distribuir sorrisos singelos e agitações de cabeça na vertical. Monica, por sua vez, gesticulava na mesma quantidade que falava. De um jeito estranhamente tentador, ela conseguia ser ponderada ainda que agitada. 
Foi falando pouco e ouvindo muito que o jovem rapaz descobriu que a moça era uma grande editora. Foi falando, lendo e ouvindo muito que Monica conseguiu captar os traços no papel do rapaz e os torna-lo suficientemente interessantes para que o mesmo conseguisse uma cadeira e uma escrivaninha no mesmo andar que o dela.  
Quando o casal se deu por si já haviam se passado dois ou três anos de muitas carícias, de muitos intercâmbios, de muito compartilhamento entre eles. Mathieu não tinha mais a barba, o medo e a inocência. Monica continuava a mesma. 
Teresópolis não via um único sinal de luz solar havia cerca de um, dois dias. Mathieu, no entanto, não conseguia mais como antes reparar. Seus textos o exigiam demais para isso. Ele já havia trocado de escritório e não tinha em tempo a mesma quantidade que tinha em sentimento para dedicar a Mônica. 
Era Quinta- Feira. Mathieu entrou em casa com as pernas, cabeça e costa doendo. Fez um largo copo de café. Acendeu um, depois outro cigarro. No meio do segundo se deparou com um bilhete de Mônica que vinha acompanhado com a cópia da chave da casa de Mathieu que ele havia feito especialmente para ela. O bilhete fora escrito com caneta vermelha e dizia: “O certo é escrever o que se vive e não viver o que se escreve.”  . Teresópolis chorou.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tempos Modernos

Zona sul da cidade de São Paulo, Paraisópolis. Em meio aos cortiços amontoados Hozembergue se põe de pé as quatro e trinta da manha. Na mesma Zona sul, Amarante se desperta quatro horas e meia depois nas imediações do bairro Morumbi. O primeiro mora em Parisópolis desde os vinte e cinco anos, idade em que saiu do Pará. O segundo mora no Morumbi desde 1971, data em que nasceu.

Hozembergue vai de café preto, pão com manteiga, algumas conexões de metro e longas caminhadas até o centro da cidade. Amarante vai para o mesmo local, em seu carro importado e em meio a um trânsito infernal, após um cappuccino e croissant.

O rapaz do Pará passa a manha e a tarde carregando pedras, madeiras e toda a sorte de materiais de construção. Já o rapaz do Morumbi passa o dia com stress e números de investimento na cabeça.

Após o expediente, em Paraisópolis, tem cachaça 51, salsicha e sinuca com os amigos. No Morumbi tem happy hour, regado a whisky 18 anos, queijos finos e troca de ideias sobre as bolsas de valores ao redor do mundo.

Hozembergue tem Katrina, esposa amada que dá educação e carinho aos dois filhos do casal, cafuné ao marido com odor de 51 e é a pessoa que Hoterdan, filho único de Amarante, passa a maior parte do tempo. Não apenas por esse fato é aquela pessoa em que Hoterdan, mesmo inconscientemente, possui maior confiança e dedica maior carinho.

Amarante não fica atrás. O rapaz do Morumbi tem Joana, mãe de seu filho, esposa há vinte anos, sócia em seu escritório, grande responsável pelo carro de meio milhão à Hoterdan, singelo presente em seu aniversário de 18 anos. O filho do casal vive se perguntando internamente se ama mais Joana, os 300 cavalos do esportivo ou Penélope – “amiga” do pai que sempre tem bons conselhos.

Hoterdan, Joana, Penélope e Amarante: todos são endinheirados, de cultura vasta, pensamentos refinados, bom gosto.

Hozembergue, Katrina e os dois filhos do casal: todos eles são trabalhadores, dão valor as coisas simples, são capazes de amar por amar, tem o conhecimento fundamental da vida.

Hoterdan, Hozembergue, Joana, Amarante, Katrina e Penélope compartilham mais do que alguma relação e a mesma zona sul da mesma cidade: todos são infelizes.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O inesquecível mundo dos esquecidos


Existem inúmeros adjetivos que podem ser dados para um indivíduo. Dentre as qualidades, as quais também de número bastante elevado, Mathieu acredita que existe uma que em seu entendimento é aquela que proporciona maior ganho próprio, levando-se em conta que a matemática desse ganho assim funciona: menor o sofrimento, maior a qualidade. Tal qualidade se denomina capacidade de esquecimento.

O expoente máximo dessa qualidade para Mathieu era sua amiga de infância Maria. Quando pequena ela gostava de brincar com bonequinho com roupa de soldado em um dia, dava o maior carinho do mundo pra ele. Maria se divertia brincando de passar sua farda. No outro dia, no entanto, o soldado estava jogado em um canto, de tal forma que parecia estar morto no front. Era o fim da guerra para ele. Em seu lugar havia uma maquininha de fazer doce a qual a menina se deliciou com dois ou três, no máximo, antes de toda aquela estória azedar para ela e assim passar para outro meio de divertimento.

Ao crescer, pelos idos da adolescência, Maria tinha um comportamento semelhante ao apresentado na infância e Mathieu como continuava sendo seu fiel companheiro ainda acompanhava aquela estranha forma de gostar. O mês de Agosto era repleto de cartinhas de coração rosinha, com perfume exalando, todas elas endereçadas ao Augusto. Em setembro eram bombons para o Pedro. Março, enquanto respingavam as chuvas, José era o felizardo. Todos eles eram sempre eternamente elogiados, caráter, beleza e personalidade por Maria em suas confissões inocentes a Mathieu.

Os tempos passaram, os nomes mudaram, os elogios continuaram e Mathieu continuava como sempre sem compreender como alguém podia de fato gostar tanto de uma pessoa, ou de algo e em questão de pouco tempo esquecer isso e passar para outra. Fechar a conta, passar a régua. A grande questão é que aquele gostar era intenso, profundo, de fato verdadeiro e sempre havia algum argumento que justificava com relevância deixar de lado “a” e passar para “b”. Mais do que entender, Mathieu sempre um eterno apegado aquilo que havia apaixonado e portanto um eterno sofrido, procurava absorver.

Dizem que a busca por conhecimento é algo apaixonante. Seja por esse motivo ou não, ao tentar entender Maria o rapaz acabou por apaixonar-se por ela. Depois de todos aqueles anos de amizade, mesmo sabendo que ele podia ser deixado de lado a qualquer momento e mais do que isso, ser deixado com carinho, como a criança quando se despede de seu cachorrinho porque ele há de ser sacrificado.

No inicio, Maria relutou. No desenvolvimento Maria fez que não. Na conclusão ela cedeu. Eles viveram lindos cinco meses de flores, amor, compartilhamento e dedicação mútua. No sexto mês, surgiu Robes. Maria, com todo o carinho do mundo, despediu-se de Mathieu.

Em meio a tal desespero, o jovem rapaz decidiu que a única solução seria aquela em que ele tinha a maior experiência: a fuga. Comprou, assim, passagem apenas de ida para a Irlanda.

Ao chegar ao aeroporto, munido de duas olheiras profundas e escuras, Mathieu pôs-se a observar da sacada do segundo andar as despedidas que ali aconteciam. Analisou que se elas aconteciam é porque havia mais Marias. Ou melhor, havia alguém com a capacidade ou ao menos com a esperança de um dia esquecer alguém. Seja pra sempre ou por um tempo. Mathieu não conseguia nem um, nem outro. Nem esquecer para a eternidade, nem por um segundo. Era um daqueles carentes que não trocam um amor por uma oportunidade de emprego.

Surpreendentemente quando ainda estava na sacada do segundo andar o jovem avistou Robes e Maria ao lado de uma sorveteria. O rapaz chorava, a moça o consolava. Eles se despediram. Cada um para seu canto. Mathieu pensou em ir até sua eterna amada, mas o alto-falante do aeroporto suscitou seu já consagrado ímpeto de fuga: “Última chamada para o voo 157 com destino a Irlanda...” . Destino à Irlanda, assim foi.

Anos mais tarde, por meio de redes sociais, Mathieu descobriu que Augusto era um solteirão, Pedro havia se divorciado, José se tratava do vício do álcool e Robes se suicidou. Maria estava casada a vinte e sete anos e possuía três lindos filhos.

A cicatriz antiga que Maria havia deixado em Mathieu já havia se cicatrizado. Interessante, porém, foi observar o nome do filho primogênito da moça: Mathieu.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Capital

"Tenha certeza que a fortuna que você procura, é a fortuna que você precisa." - Ben Harper.

Mathieu nasceu em Jurandira, cidade do interior do recôncavo baiano. Como toda cidade do interior que se preze Jurandira oferecia boas amizades, conhecidos que estão sempre por dentro da vida de todos e velhos sábios que ainda tem saudade de quando a avenida principal ainda não era asfaltada.
O rapaz cresceu preocupado com os problemas sociais, com o desmatamento da Amazônia, interessando-se nas letras do Cartola e na melodia do Pink Floyd. Quando jovem gostava ainda de ao menos três vezes por semena dedicar-se aos treinos de natação – era sempre muito elogiado por seu treinador. No mais, Mathieu sonhava em ser professor de física, ter uma vida simples e acima de tudo em ser feliz.
A adolescência passou. Mathieu não plantou uma árvore sequer, não fez mais do que oferecer alguns trocados para alguns mendigos vez ou outra. Além disso, não fez muito com as inspirações providas pelas músicas além de alguns rabiscos musicados com três acordes e achou que os treinos de natação ocupavam muito o seu tempo e por isso os abandonou.
Aos dezenove anos, enquanto freqüentava o cursinho, conheceu uma mulher maravilhosa e inteligente e como de costume local tinha vontade de levá-la nas redondezas de Jurandi, provida de belas cachoeiras. A falta de um meio de transporte mais eficaz que sua bicicleta preta com detalhes amarelos, no entanto, o impediu disso.
Foi pensando nos meios de transporte, em uma vida mais confortável do que a dele para os filhos, em presentes mais elaborados para a linda namorada que afinal de contas merecia, Mathieu foi dominado por um súbito impulso e marcou medicina ao invés de física em sua inscrição para o vestibular.
Com muita dificuldade o rapaz se formou, trabalhou, casou-se com a namorada do cursinho, teve três belos e saudáveis filhos. Ele teve um dom raro e belo de tentar fazer todos em sua volta ser feliz, especialmente sua família.
Mathieu acabou morrendo aos sessenta de infarto, doença essa que poderia ser facilmente denominada também, em seu caso, “trabalho excessivo”. Foi rico, provedor de bens, especialmente para seus filhos. Teve reconhecimento social, uma esposa maravilhosa, filhos bem estruturados. De um modo geral, foi feliz durante vários momentos, infeliz na maior parte.
Foi dentro desse contexto que dois amigos mais próximos, para quem Mathieu vez ou outra confidenciava algo, cochichavam de canto no funeral do querido amigo. O primeiro disse:
- Se ele tivesse sido professor certamente viveria com menos recursos, por mais vinte anos ao menos e mais feliz.
O outro engoliu em seco, nem sequer balbuciou nada, fez que sim com a cabeça e fazendo uma espécie de auto-análise se indagou:
- “Quantos Mathieu não existem?”

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

United Kingdom of Itabira

Maria nasceu em Itabira, Minas Gerais. Aos quatorze já havia vivido em algumas outras cidades do interior mineiro e enfim por motivos, digamos, “trabalhísticos" paternos mudou-se para Ipanema, Rio de Janeiro.

Não se sabe ao certo se há uma teoria que afirma categoricamente que os lugares em que se vive influem na personalidade e muito menos se ela de fato existe o quanto ela é válida. Tem-se consciência, no entanto, que Maria figurava-se bem dotando da discrição – típica qualidade mineira – combinando-a com a descontração despretensiosa carioca.
As junções “uai/pô” não paravam por aí. Seu corpo era carioca, seus traços eram mineiros. Falando de forma estereotípica tal encontro seria fatal para o coração de qualquer rapaz dotado de um mínimo bem ínfimo de consciência, para Mathieu não seria então obviamente diferente.
O jovem rapaz já havia se apaixonado algumas vezes, é a bem da verdade, mas logo de cara, quando a avistou pela primeira vez, percebeu que ali em Maria havia o melhor de cada estado, de cada cidade, de cada município, de cada rua e de cada esquina que o Brasil ou qualquer outro país pudesse oferecer.
Os dois se entreolharam simpaticamente e desde o primeiro contato se amaram misteriosa e intensamente. A simpatia, mistério e intensidade iam aumentando progressivamente em Mathieu a cada gesto, cada palavra balbuciada, cada comentário que era sempre tão inteligentemente bem colocado por Maria.
Como uma espécie de onda eletromagnética essa gama de emoções de Mathieu se acumulava, se somava e era emanada para a alma de Maria que a recebia “cariocamente” bem e mineiramente tentava escondê-la.
Mas não havia como. A cada milésimo de segundo um admirava mais o outro e se combinavam e se queriam loucamente mais. Na química do corpo dos dois os opostos se distanciavam e coração semelhante dissolvia coração semelhante.
Eles se beijaram se amaram e Mathieu se sentiu completo como nunca antes havia experimentado. No estômago de Maria as borboletas atingiam um nível de RPM nunca antes estudado. As músicas faziam mais sentido, o corcovado era mais lindo e as pedras da rua direita de Ouro Preto reluziam mais magnificamente.
Fora, enfim, construído o trem bala de emoções que ligavam Itabira de Mathieu a Ipanema de Maria.
A grande questão, como tudo de trágico que o amor excessivo traz, era que o trem bala ligava os pensamentos e o amor, mas não os corpos. Maria teve obviamente que voltar para o Rio após a rápida visita a natal Itabira e os saudosos cumprimentos no coração de Mathieu.
Nesse dia, à caminho da rodoviária, no Rio fazia frio e chovia enquanto que em Itabira nevava. Antes de se despedirem calorosamente Mathieu abraçou Maria efusivamente e enquanto acariciava seus cabelos ainda molhados ele prometeu uma visita ao Rio, enquanto Maria jurou um nascer do sol no Arpoador.
Quinze anos depois Mathieu tomava um aperitivo em uma bodega itabiritense e ao som Chico Buarque afirmava que “Ela é carioca”. Mathieu se permitiu a ousadia de corrigir o mestre e pensou: “Não, ela virou carioca”e mineiramente se lamentou, não deixando claro para as pessoas ao seu redor.
Claro naquele momento era apenas como era estranho que o nascer do sol no Arpoador fosse aquilo que sempre lhe proporcionava a maior emoção de todas e pela milésima vez observou o sol refletir no mar, com as pedras e a vegetação ao redor. Tomou mais um aperitivo. Se emocionou: “como é belo o Arpoador! Como eu gostaria de conhecer o Rio.”