segunda-feira, 5 de maio de 2014
Vou me embriagar de você
terça-feira, 6 de agosto de 2013
O impossível é o sobrenome do medo
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Mathieu e Mônica
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Tempos Modernos
Zona sul da cidade de São Paulo, Paraisópolis. Em meio aos cortiços amontoados Hozembergue se põe de pé as quatro e trinta da manha. Na mesma Zona sul, Amarante se desperta quatro horas e meia depois nas imediações do bairro Morumbi. O primeiro mora em Parisópolis desde os vinte e cinco anos, idade em que saiu do Pará. O segundo mora no Morumbi desde 1971, data em que nasceu.
Hozembergue vai de café preto, pão com manteiga, algumas conexões de metro e longas caminhadas até o centro da cidade. Amarante vai para o mesmo local, em seu carro importado e em meio a um trânsito infernal, após um cappuccino e croissant.
O rapaz do Pará passa a manha e a tarde carregando pedras, madeiras e toda a sorte de materiais de construção. Já o rapaz do Morumbi passa o dia com stress e números de investimento na cabeça.
Após o expediente, em Paraisópolis, tem cachaça 51, salsicha e sinuca com os amigos. No Morumbi tem happy hour, regado a whisky 18 anos, queijos finos e troca de ideias sobre as bolsas de valores ao redor do mundo.
Hozembergue tem Katrina, esposa amada que dá educação e carinho aos dois filhos do casal, cafuné ao marido com odor de 51 e é a pessoa que Hoterdan, filho único de Amarante, passa a maior parte do tempo. Não apenas por esse fato é aquela pessoa em que Hoterdan, mesmo inconscientemente, possui maior confiança e dedica maior carinho.
Amarante não fica atrás. O rapaz do Morumbi tem Joana, mãe de seu filho, esposa há vinte anos, sócia em seu escritório, grande responsável pelo carro de meio milhão à Hoterdan, singelo presente em seu aniversário de 18 anos. O filho do casal vive se perguntando internamente se ama mais Joana, os 300 cavalos do esportivo ou Penélope – “amiga” do pai que sempre tem bons conselhos.
Hoterdan, Joana, Penélope e Amarante: todos são endinheirados, de cultura vasta, pensamentos refinados, bom gosto.
Hozembergue, Katrina e os dois filhos do casal: todos eles são trabalhadores, dão valor as coisas simples, são capazes de amar por amar, tem o conhecimento fundamental da vida.
Hoterdan, Hozembergue, Joana, Amarante, Katrina e Penélope compartilham mais do que alguma relação e a mesma zona sul da mesma cidade: todos são infelizes.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
O inesquecível mundo dos esquecidos
Existem inúmeros adjetivos que podem ser dados para um indivíduo. Dentre as qualidades, as quais também de número bastante elevado, Mathieu acredita que existe uma que em seu entendimento é aquela que proporciona maior ganho próprio, levando-se em conta que a matemática desse ganho assim funciona: menor o sofrimento, maior a qualidade. Tal qualidade se denomina capacidade de esquecimento.
O expoente máximo dessa qualidade para Mathieu era sua amiga de infância Maria. Quando pequena ela gostava de brincar com bonequinho com roupa de soldado em um dia, dava o maior carinho do mundo pra ele. Maria se divertia brincando de passar sua farda. No outro dia, no entanto, o soldado estava jogado em um canto, de tal forma que parecia estar morto no front. Era o fim da guerra para ele. Em seu lugar havia uma maquininha de fazer doce a qual a menina se deliciou com dois ou três, no máximo, antes de toda aquela estória azedar para ela e assim passar para outro meio de divertimento.
Ao crescer, pelos idos da adolescência, Maria tinha um comportamento semelhante ao apresentado na infância e Mathieu como continuava sendo seu fiel companheiro ainda acompanhava aquela estranha forma de gostar. O mês de Agosto era repleto de cartinhas de coração rosinha, com perfume exalando, todas elas endereçadas ao Augusto. Em setembro eram bombons para o Pedro. Março, enquanto respingavam as chuvas, José era o felizardo. Todos eles eram sempre eternamente elogiados, caráter, beleza e personalidade por Maria em suas confissões inocentes a Mathieu.
Os tempos passaram, os nomes mudaram, os elogios continuaram e Mathieu continuava como sempre sem compreender como alguém podia de fato gostar tanto de uma pessoa, ou de algo e em questão de pouco tempo esquecer isso e passar para outra. Fechar a conta, passar a régua. A grande questão é que aquele gostar era intenso, profundo, de fato verdadeiro e sempre havia algum argumento que justificava com relevância deixar de lado “a” e passar para “b”. Mais do que entender, Mathieu sempre um eterno apegado aquilo que havia apaixonado e portanto um eterno sofrido, procurava absorver.
Dizem que a busca por conhecimento é algo apaixonante. Seja por esse motivo ou não, ao tentar entender Maria o rapaz acabou por apaixonar-se por ela. Depois de todos aqueles anos de amizade, mesmo sabendo que ele podia ser deixado de lado a qualquer momento e mais do que isso, ser deixado com carinho, como a criança quando se despede de seu cachorrinho porque ele há de ser sacrificado.
No inicio, Maria relutou. No desenvolvimento Maria fez que não. Na conclusão ela cedeu. Eles viveram lindos cinco meses de flores, amor, compartilhamento e dedicação mútua. No sexto mês, surgiu Robes. Maria, com todo o carinho do mundo, despediu-se de Mathieu.
Em meio a tal desespero, o jovem rapaz decidiu que a única solução seria aquela em que ele tinha a maior experiência: a fuga. Comprou, assim, passagem apenas de ida para a Irlanda.
Ao chegar ao aeroporto, munido de duas olheiras profundas e escuras, Mathieu pôs-se a observar da sacada do segundo andar as despedidas que ali aconteciam. Analisou que se elas aconteciam é porque havia mais Marias. Ou melhor, havia alguém com a capacidade ou ao menos com a esperança de um dia esquecer alguém. Seja pra sempre ou por um tempo. Mathieu não conseguia nem um, nem outro. Nem esquecer para a eternidade, nem por um segundo. Era um daqueles carentes que não trocam um amor por uma oportunidade de emprego.
Surpreendentemente quando ainda estava na sacada do segundo andar o jovem avistou Robes e Maria ao lado de uma sorveteria. O rapaz chorava, a moça o consolava. Eles se despediram. Cada um para seu canto. Mathieu pensou em ir até sua eterna amada, mas o alto-falante do aeroporto suscitou seu já consagrado ímpeto de fuga: “Última chamada para o voo 157 com destino a Irlanda...” . Destino à Irlanda, assim foi.
Anos mais tarde, por meio de redes sociais, Mathieu descobriu que Augusto era um solteirão, Pedro havia se divorciado, José se tratava do vício do álcool e Robes se suicidou. Maria estava casada a vinte e sete anos e possuía três lindos filhos.
A cicatriz antiga que Maria havia deixado em Mathieu já havia se cicatrizado. Interessante, porém, foi observar o nome do filho primogênito da moça: Mathieu.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
O Capital
Mathieu nasceu em Jurandira, cidade do interior do recôncavo baiano. Como toda cidade do interior que se preze Jurandira oferecia boas amizades, conhecidos que estão sempre por dentro da vida de todos e velhos sábios que ainda tem saudade de quando a avenida principal ainda não era asfaltada.
O rapaz cresceu preocupado com os problemas sociais, com o desmatamento da Amazônia, interessando-se nas letras do Cartola e na melodia do Pink Floyd. Quando jovem gostava ainda de ao menos três vezes por semena dedicar-se aos treinos de natação – era sempre muito elogiado por seu treinador. No mais, Mathieu sonhava em ser professor de física, ter uma vida simples e acima de tudo em ser feliz.
A adolescência passou. Mathieu não plantou uma árvore sequer, não fez mais do que oferecer alguns trocados para alguns mendigos vez ou outra. Além disso, não fez muito com as inspirações providas pelas músicas além de alguns rabiscos musicados com três acordes e achou que os treinos de natação ocupavam muito o seu tempo e por isso os abandonou.
Aos dezenove anos, enquanto freqüentava o cursinho, conheceu uma mulher maravilhosa e inteligente e como de costume local tinha vontade de levá-la nas redondezas de Jurandi, provida de belas cachoeiras. A falta de um meio de transporte mais eficaz que sua bicicleta preta com detalhes amarelos, no entanto, o impediu disso.
Foi pensando nos meios de transporte, em uma vida mais confortável do que a dele para os filhos, em presentes mais elaborados para a linda namorada que afinal de contas merecia, Mathieu foi dominado por um súbito impulso e marcou medicina ao invés de física em sua inscrição para o vestibular.
Com muita dificuldade o rapaz se formou, trabalhou, casou-se com a namorada do cursinho, teve três belos e saudáveis filhos. Ele teve um dom raro e belo de tentar fazer todos em sua volta ser feliz, especialmente sua família.
Mathieu acabou morrendo aos sessenta de infarto, doença essa que poderia ser facilmente denominada também, em seu caso, “trabalho excessivo”. Foi rico, provedor de bens, especialmente para seus filhos. Teve reconhecimento social, uma esposa maravilhosa, filhos bem estruturados. De um modo geral, foi feliz durante vários momentos, infeliz na maior parte.
Foi dentro desse contexto que dois amigos mais próximos, para quem Mathieu vez ou outra confidenciava algo, cochichavam de canto no funeral do querido amigo. O primeiro disse:
- Se ele tivesse sido professor certamente viveria com menos recursos, por mais vinte anos ao menos e mais feliz.
O outro engoliu em seco, nem sequer balbuciou nada, fez que sim com a cabeça e fazendo uma espécie de auto-análise se indagou:
- “Quantos Mathieu não existem?”
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
United Kingdom of Itabira
Não se sabe ao certo se há uma teoria que afirma categoricamente que os lugares em que se vive influem na personalidade e muito menos se ela de fato existe o quanto ela é válida. Tem-se consciência, no entanto, que Maria figurava-se bem dotando da discrição – típica qualidade mineira – combinando-a com a descontração despretensiosa carioca.
As junções “uai/pô” não paravam por aí. Seu corpo era carioca, seus traços eram mineiros. Falando de forma estereotípica tal encontro seria fatal para o coração de qualquer rapaz dotado de um mínimo bem ínfimo de consciência, para Mathieu não seria então obviamente diferente.
O jovem rapaz já havia se apaixonado algumas vezes, é a bem da verdade, mas logo de cara, quando a avistou pela primeira vez, percebeu que ali em Maria havia o melhor de cada estado, de cada cidade, de cada município, de cada rua e de cada esquina que o Brasil ou qualquer outro país pudesse oferecer.
Os dois se entreolharam simpaticamente e desde o primeiro contato se amaram misteriosa e intensamente. A simpatia, mistério e intensidade iam aumentando progressivamente em Mathieu a cada gesto, cada palavra balbuciada, cada comentário que era sempre tão inteligentemente bem colocado por Maria.
Como uma espécie de onda eletromagnética essa gama de emoções de Mathieu se acumulava, se somava e era emanada para a alma de Maria que a recebia “cariocamente” bem e mineiramente tentava escondê-la.
Mas não havia como. A cada milésimo de segundo um admirava mais o outro e se combinavam e se queriam loucamente mais. Na química do corpo dos dois os opostos se distanciavam e coração semelhante dissolvia coração semelhante.
Eles se beijaram se amaram e Mathieu se sentiu completo como nunca antes havia experimentado. No estômago de Maria as borboletas atingiam um nível de RPM nunca antes estudado. As músicas faziam mais sentido, o corcovado era mais lindo e as pedras da rua direita de Ouro Preto reluziam mais magnificamente.
Fora, enfim, construído o trem bala de emoções que ligavam Itabira de Mathieu a Ipanema de Maria.
A grande questão, como tudo de trágico que o amor excessivo traz, era que o trem bala ligava os pensamentos e o amor, mas não os corpos. Maria teve obviamente que voltar para o Rio após a rápida visita a natal Itabira e os saudosos cumprimentos no coração de Mathieu.
Nesse dia, à caminho da rodoviária, no Rio fazia frio e chovia enquanto que em Itabira nevava. Antes de se despedirem calorosamente Mathieu abraçou Maria efusivamente e enquanto acariciava seus cabelos ainda molhados ele prometeu uma visita ao Rio, enquanto Maria jurou um nascer do sol no Arpoador.
Quinze anos depois Mathieu tomava um aperitivo em uma bodega itabiritense e ao som Chico Buarque afirmava que “Ela é carioca”. Mathieu se permitiu a ousadia de corrigir o mestre e pensou: “Não, ela virou carioca”e mineiramente se lamentou, não deixando claro para as pessoas ao seu redor.
Claro naquele momento era apenas como era estranho que o nascer do sol no Arpoador fosse aquilo que sempre lhe proporcionava a maior emoção de todas e pela milésima vez observou o sol refletir no mar, com as pedras e a vegetação ao redor. Tomou mais um aperitivo. Se emocionou: “como é belo o Arpoador! Como eu gostaria de conhecer o Rio.”