segunda-feira, 12 de abril de 2010

Shady Lane

“A inspiração por via de regra sempre se vai, como acaba a felicidade sufocante do primeiro beijo. Elas vão se embora sorrateiramente, como pôr-do-sol de sábado magnificamente ensolarado.” – disse-me um dia Mathieu. Ser sorrateira, na opinião do mesmo é, inclusive, o que torna tudo mais desconfortável.
“Analisar o viver é como observar um típico fim de semana em que se viaja, começando portanto com o entusiasmo e terminando com a despedida.” – continuou Mathieu. “Viver e sofrer definitivamente não combina apenas na sonoridade. Tal fato, não é mera coincidência.”
Foi pensando nisso que Mathieu se lembrou do caso de seu amigo Shady e sua namorada Lane. Quem de certa distância analisasse facilmente concluiria o que eles mesmos pensavam: foram feitos um para o outro. Acontece, no entanto, que por uma dessas causas misteriosas, tão tipicamente humanas, eles nunca passaram de algumas simples carícias sem maiores demonstrações afetivas apesar do carinho gigante e fulminante que um sentia pelo outro.
Assim como a inspiração de Mathieu, a do casal também se esvaiu. Shady e Lane se mudaram para cidades diferentes e distantes, constituíram famílias com marido e esposa que tanto Shady quanto Lane realmente gostavam e naturalmente admiravam.
Acontece, no entanto, que por uma dessas causas misteriosas, tão tipicamente humanas, o velho casal se encontrou no banheiro de um desses restaurantes interioranos na cidade natal que já havia presenciado outrora o amor promissor dos dois. Poucas palavras eles trocaram, mas se abraçaram como a esposa afaga o marido combatente que se destina a uma grande guerra. O “bolo” na garganta que ambos tinham e que não o deixavam balbuciar nada além de algumas interjeições de fato queria dizer muita coisa.
Na volta para as respectivas mesas onde os conjugues e os filhos os esperavam ambos permaneceram pensativos. Nessa noite, Shady se entediou com a televisão até as seis da manha e Lane leu pelo menos umas cento e cinqüenta páginas de seu Baudelaire. Ambos tinham certeza de que quem realmente venerava estava em outros lençóis e sobre quem amavam já não tinham a mínima linha de pensamento.
Foi assim que a inspiração e felicidade se foram. Sorrateiramente, como tinha de ser; dolorosamente, como o viver manda. Shady e Lane, como de costume, concluíram o mesmo diante do fato: “A dúvida esmagadora acaba por gerar inevitavelmente a frustração que sem sombra de dúvidas se constitui um dos sentimentos mais devastadores porque consegue acabar com tudo o que foi de certa forma construído até então, independentemente de quão sólida estava à construção.”.
Shady, em um desabafo com Mathieu, em uma dessas mesas de botecos comentou: “Frustração, viver e sofrer não tem a mesma sonoridade, mas isso é definitivamente uma mera coincidência.” Enquanto Shady tomava amargamente a sua última dose na companhia solitária de Mathieu fazendo as suas últimas lamentações, do outro lado do país, Lane ouviu uma canção que a fez lembrar do seu antigo amado. A canção era ritmada, tinha refrão agradável e poder se dizer até superficialmente empolgante, mas ao fim deixava invariavelmente uma sensação de vazio. “É duro ser escolhido como um extra na adaptação do filme da seqüência de sua vida” – pensou Lane inspirada pela canção e imaginando que Shady também pensaria o mesmo. Os mundos dos dois colidiram e tudo o que eles queriam era uma alameda sombreada.