quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Décimo andar.

Laguna já nasceu a mais bela daquela cercania, quiçá de todas as vizinhanças. Aqueles olhos azuis turquesa, olhos azuis liberdade chamavam a atenção de qualquer um. Os cabelos loiros esvoaçantes remetiam aos poemas mais líricos. Como se não bastasse, não era so aí que ela se destacava. Laguna era aquele tipo de criança que não chorava, se acostumou com o escuro e parecia entender a falta que o pai,um desaparecido que todos sabiam aonde estava, fazia. Contrariando a previsão que as comadres faziam enquanto lavavam suas calçolas de renda cor da pela Laguna cresceu serena.
Uma moça tão compreensiva, simpática, educada, humilde e acima de qualquer contestação maravilhosa não podia ficar sem pretendentes. O impressionante e nunca entendido é que independente de pedros ou joses, todos eles iam na mesma velocidade que vinham. Mais ainda: ela era deixada como se larga um lixo naquela lixeira longe em um domingo preguiçoso.
Poço de qualidades, Laguna não se deixava abalar por isso. Quanto mais despedidas eram feitas, mais ela se entregava ao seu trabalho que já andava muito bem sucedido a essa altura, depois de tantos "espero que continuemos amigos." . Além do mais, nada como um copo largo de vodka com três pedras de gelo e um pedaço de limão na parte superior para esquecer as adversidades da vida.
Mas é que um dia o limão começou a amargar demais...
Foi em meio ao amargo das papilas, do estômago que Laguna recebeu um esclarecimento. Dizia-se que o motivo de tanto abandono era que a doce senhorita não era lá essas coisas entre quatro paredes. Mas como? Uma jovem bela, atraente! Simpática! Educada! Afinal, ninguém é perfeito!
Foi aí que Laguna, já tão esclarecida, teve a luz maior. Percebeu que não importa o quão bom você é, o quanto bem você quer fazer. O quanto você deseja o outro. No final, as pessoas querem mesmo é um prazer efémero e uma cerveja depois, é claro.
Essa "luz" veio justamente quando o sol irradiava por toda a parte, envadia os corpos, fazia sombra. Todos pareciam alegres. Ela não pode deixar de reparar como a felicidade dos outros cresce proporcionalmente a tristeza própria.
Então o limão amargou de vez.
Laguna não conseguia compreender como o mundo podia ser tão mesquinho. Tão inútil. Tão estupidamente feliz quando tudo o que se tem é a derrota de quem deveria vencer. Injusta batalha! Ela não se sentia revoltada, triste, magoada. Apenas não podia concordar com o funcionamento das coisas.
Foi em uma quarta-feira de chuva fina que Laguna se pôs a pensar mais uma vez nos seus romances. Ser deixada tudo bem. Mas por um motivo tão cafajeste? Sem revolta. Ela simplesmente so não podia concordar.
Enquanto os meninos da rua brincavam de pular nas poças, Laguna se pegou na janela do seu prédio nessa mesma quarta-feira, pensando justamente nos seus amores. Seu pijama de algodão branco com corações vermelhos por toda parte pareciam uma grande ironia. Antes de se deixar levar, de maneira leve, suave, feliz poderia-se até dizer Laguna perguntou pra si própria:
- " Quando o romance acabou?"
Ela não entendeu muito bem de onde vinha aquela voz. Mas assegura-se que antes de tocar o chão ela teria ouvido um sussurro:
- "Ele já existiu?"




*Texto dedicado ao meu grande amigo Stephan e a coincidência que envolve tudo.