segunda-feira, 7 de julho de 2008

...do jovem Herber.

Chuva fina. Garoa. Como que sem querer molha o vidro e ofusca as luzes dos prédios ao lado. Molha a alma. Herber desperta assustado, perdido, sem lugar. Não tão amargo quanto a sua vida e nem tão atrapalhado quanto sua alma, mas quem vagasse, ainda que ao longe, ainda que vendo transfigurado pela chuva que caia, dir-se-ia que o jovem rapaz apresentava de fato um cabelo despenteado, uma cara amassada e um gosto estranho na boca. Coisa de quem se desperta ainda há pouco...

O pulso pulsa devagar. O relógio, de pulso, de coloração azul escura a enaltecer o tom da vestimenta preta e cinza aponta às vinte horas e trinta e seis minutos de mais uma Sexta-Feira. Chuvosa. Em seu quarto o moço Herber faz que acende um cigarro. Hesita. Por fim, acende-o. O ambiente enche-se de fumaça preta e cinza, como a sua roupa. O rapaz enche-se de carbono, vazio. “Ah! Meu predileto, encorpado. Quanto mais forte, maior a companhia” – pensa meio que por impulso o moço, sendo inevitável não transparecer um sorriso de canto de boca com um “que” de maligno.

Entre uma tragada e outra Herber se põe a pensar em todos os companheiros. Bons e velhos, todos esquecidos. Não devido a Herber, mas por eles. A maioria quase que absoluta configura acadêmicos de sucesso, destaques enquanto o moço ainda decide qual caminho tomar na vida e mais que isso: se existe um. Talvez por isso todos eles estejam entretendo-se por aí, fazendo via sacra de bodega em bodega. Raparigas aos montes. Nada mais do que o merecido. Enquanto isso, Herber é corroído por seus princípios que para nada servem.

Enquanto devaneia sobre tais princípios, o jovem com o cigarro ainda na metade decide tomar uma atitude, algo raro: aperta o cigarro em um cinzeiro de madeira corroída. Agora esse último faz companhia a outros tantos que algum dia já foram também últimos. É analisando essa sistemática que envolve seu cinzeiro e os diversos cigarros nele apagados que Herber põe-se a pensar nos seus relacionamentos.

Chega a rir-se consigo mesmo divagando como vários relacionamentos, assim como seus cigarros, terminaram. Uma súbita vontade de compartilhar tal pensamento invadiu-lhe. Pensou em se comunicar com algum daqueles velhos companheiros. Quem sabe. Hesitou. Por fim, abandonou. Afinal, eles se quer reconheceriam a voz fumante e embaçada do jovem. No mais assim ele tomaria uma atitude, algo raro.

Herber concluiu por acaso: “No fim, independente de como foram acessos, de como as tragadas foram dadas ou de como foram apagados, todos os meus relacionamentos, assim como meus cigarros, tiveram um mesmo fim em comum: o esquecimento junto ao cinzeiro.”.

Incomodou-se com tal situação. A solidão, afinal, incomoda. Pensou em ligar para alguma daquelas fogosas do passado. Quem sabe. Hesitou. Por fim, decidiu acender mais um cigarro. Era mais seguro.

Entre uma tragada e outra Herber achou empoeirado, rasgado e com manchas amarelas por todo lado um livro do passado. “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, lia-se. Lembrou-se, por conseguinte, da estratégia de Goethe em escrever para se libertar da angustia íntima. A chuva apertava. Mais uma vez algo pouco freqüente: uma atitude de Herber. O jovem se pôs a escrever.

Lembrou-se repentinamente do conselho caloroso da professora de cachos e giz branco na mão, ainda no colegial: “Meus jovens, evitem reticências no título, é mais seguro”. E assim foi...