terça-feira, 27 de setembro de 2011

O inesquecível mundo dos esquecidos


Existem inúmeros adjetivos que podem ser dados para um indivíduo. Dentre as qualidades, as quais também de número bastante elevado, Mathieu acredita que existe uma que em seu entendimento é aquela que proporciona maior ganho próprio, levando-se em conta que a matemática desse ganho assim funciona: menor o sofrimento, maior a qualidade. Tal qualidade se denomina capacidade de esquecimento.

O expoente máximo dessa qualidade para Mathieu era sua amiga de infância Maria. Quando pequena ela gostava de brincar com bonequinho com roupa de soldado em um dia, dava o maior carinho do mundo pra ele. Maria se divertia brincando de passar sua farda. No outro dia, no entanto, o soldado estava jogado em um canto, de tal forma que parecia estar morto no front. Era o fim da guerra para ele. Em seu lugar havia uma maquininha de fazer doce a qual a menina se deliciou com dois ou três, no máximo, antes de toda aquela estória azedar para ela e assim passar para outro meio de divertimento.

Ao crescer, pelos idos da adolescência, Maria tinha um comportamento semelhante ao apresentado na infância e Mathieu como continuava sendo seu fiel companheiro ainda acompanhava aquela estranha forma de gostar. O mês de Agosto era repleto de cartinhas de coração rosinha, com perfume exalando, todas elas endereçadas ao Augusto. Em setembro eram bombons para o Pedro. Março, enquanto respingavam as chuvas, José era o felizardo. Todos eles eram sempre eternamente elogiados, caráter, beleza e personalidade por Maria em suas confissões inocentes a Mathieu.

Os tempos passaram, os nomes mudaram, os elogios continuaram e Mathieu continuava como sempre sem compreender como alguém podia de fato gostar tanto de uma pessoa, ou de algo e em questão de pouco tempo esquecer isso e passar para outra. Fechar a conta, passar a régua. A grande questão é que aquele gostar era intenso, profundo, de fato verdadeiro e sempre havia algum argumento que justificava com relevância deixar de lado “a” e passar para “b”. Mais do que entender, Mathieu sempre um eterno apegado aquilo que havia apaixonado e portanto um eterno sofrido, procurava absorver.

Dizem que a busca por conhecimento é algo apaixonante. Seja por esse motivo ou não, ao tentar entender Maria o rapaz acabou por apaixonar-se por ela. Depois de todos aqueles anos de amizade, mesmo sabendo que ele podia ser deixado de lado a qualquer momento e mais do que isso, ser deixado com carinho, como a criança quando se despede de seu cachorrinho porque ele há de ser sacrificado.

No inicio, Maria relutou. No desenvolvimento Maria fez que não. Na conclusão ela cedeu. Eles viveram lindos cinco meses de flores, amor, compartilhamento e dedicação mútua. No sexto mês, surgiu Robes. Maria, com todo o carinho do mundo, despediu-se de Mathieu.

Em meio a tal desespero, o jovem rapaz decidiu que a única solução seria aquela em que ele tinha a maior experiência: a fuga. Comprou, assim, passagem apenas de ida para a Irlanda.

Ao chegar ao aeroporto, munido de duas olheiras profundas e escuras, Mathieu pôs-se a observar da sacada do segundo andar as despedidas que ali aconteciam. Analisou que se elas aconteciam é porque havia mais Marias. Ou melhor, havia alguém com a capacidade ou ao menos com a esperança de um dia esquecer alguém. Seja pra sempre ou por um tempo. Mathieu não conseguia nem um, nem outro. Nem esquecer para a eternidade, nem por um segundo. Era um daqueles carentes que não trocam um amor por uma oportunidade de emprego.

Surpreendentemente quando ainda estava na sacada do segundo andar o jovem avistou Robes e Maria ao lado de uma sorveteria. O rapaz chorava, a moça o consolava. Eles se despediram. Cada um para seu canto. Mathieu pensou em ir até sua eterna amada, mas o alto-falante do aeroporto suscitou seu já consagrado ímpeto de fuga: “Última chamada para o voo 157 com destino a Irlanda...” . Destino à Irlanda, assim foi.

Anos mais tarde, por meio de redes sociais, Mathieu descobriu que Augusto era um solteirão, Pedro havia se divorciado, José se tratava do vício do álcool e Robes se suicidou. Maria estava casada a vinte e sete anos e possuía três lindos filhos.

A cicatriz antiga que Maria havia deixado em Mathieu já havia se cicatrizado. Interessante, porém, foi observar o nome do filho primogênito da moça: Mathieu.

4 comentários:

Stephen Kanitz disse...

Muito bom! O estudo da terapia freudiana reflete alguma melhoria substancial no texto?

Bernardo Pêsso disse...

So piora, pelo jeito...

egosatira disse...

"Era um daqueles carentes que não trocam um amor por uma oportunidade de emprego"...
quase um axioma.

Sílvia disse...

"O amor é uma ilusão, um sonho, um absurdo e uma fantasia. O amor não se entende, não se interpreta, não se discerne nem se traduz. Quem ama acredita, mas não sabe bem porquê, não sabe bem o quê, nem percebe bem como."
Chega ser quase uma piada eu fazendo um comentário aqui de tal maneira!!
Você sempre sabichão!! hehe